quarta-feira, 1 de julho de 2009

Revolucionário ou burguês?

Revolucionário ou burguês?
Quando a conversa é sobre política, as opiniões dividem-se quanto à verdadeira natureza do lulo-petismo.

Tenho notado que essa divisão se manifesta até mesmo entre aqueles que se dizem opositores de Lula e de seu governo.

Muitos acham que Lula abandonou sua ideologia revolucionária e se vendeu à comodidade burguesa e às benesses do poder.

Teria deixado de lado seus ideais de esquerda e passado a agir na política como todos os outros, inclusive compactuando com a corrupção que ele e seu partido tanto criticavam em nome da ética.

João Ubaldo Ribeiro em seu artigo A nova monarquia (O Estado de S. Paulo, 31.maio.2009), resumiu bem esta forma de pensar:

“O operário utópico, visionário e agitador deu lugar ao bom burguês bonachão e paternal, que chegou não para mudar, mas para conservar e aperfeiçoar o que já está aí”.

Ideologia sempre relembrada

É bem verdade que, historicamente, muitos líderes revolucionários não são avessos às benesses e aproveitam-se das vantagens que lhes traz sua liderança e o exercício do poder. E com Lula não se pode negar que isso também aconteceu.

O que não implica, necessariamente, no abandono dos ideais revolucionários.

Acrescente-se que, uma vez alçados ao poder, muitos desses líderes revolucionários sabem que precisam tornar sua agenda palatável pela grande maioria da população, que não compartilha das propensões para o radicalismo. Foi precisamente o que Lula fez.

Moderou seus ímpetos revolucionários, sobretudo em matérias sócio-econômicas, mas não perdeu a oportunidade de tentar implantar seus princípios ideológicos, sempre que as circunstâncias lhe permitiram.

Ele soube fingir até não ter mais ideologia. Mas reafirma seus princípios ideológicos de esquerda em todas as vezes que uma oportunidade se apresenta. É só recordar que, em plena crise econômica, Lula defendeu afincadamente a estatização da economia e reafirmou seus ideais socialistas em importante entrevista à CNN.

Quem se debruça sobre sua política externa verá que esta não desmente em nada seu radicalismo.

8 Ler também Acobertamento de ditaduras

Alianças espúrias

Além disso, todo o líder revolucionário precisa cooptar o apoio dos esquemas desmoralizados da política dita convencional para seu projeto de poder ideológico. Por isso as espúrias alianças e a prática da corrupção. O exemplo mais característico dessa forma de atuar talvez seja o chamado “mensalão”.

Do ponto de vista do lulo-petismo, a corrupção não se cinge à prática comum de se apropriar dos bens do Estado em proveito próprio e individual, mas sim à utilização desses meios para a consolidação de um projeto de poder.

Mas há mais. Para a esquerda a corrupção não deve ser vista como tal. Marilena Chauí, a “filósofa” do petismo, em plena crise do “mensalão”, criticou o partido por aceitar o debate das acusações de corrupção. Para ela seria um retrocesso o petismo aceitar ser julgado em termos de uma moral burguesa!

A defesa de Sarney

Nestes dias, em que Sarney se debate em meio a uma crise que ameaça sua presidência no Senado, chamou a atenção a defesa que dele fez o Presidente Lula. Sarney, no dizer do Presidente, não poderia ser julgado como um homem comum.

Muitos viram na atitude de Lula mais uma prova de que este se “aburguesou” e se vendeu aos velhos e corruptos esquemas da política, tendo deixado de lado suas antigas bandeiras.

Não me parece. Lula saiu em defesa de um dos elementos essenciais de sua vasta rede de articulações e alianças políticas, sempre com vistas a um projeto de poder ideológico. No caso concreto, está em causa a eleição de seu sucessor em 2010.

8 Ler também A estranha ética do Presidente

Carlos Alberto Di Franco em seu artigo Simbiose – oligarquia e populismo (O Estado de S. Paulo, 29.jun.2009) traça um quadro deste processo que me parece bem objetivo. Convido-os a ler os principais trechos:

  • O presidente Lula, de fato, sempre saiu em defesa das oligarquias que sustentam o seu governo. Em recente visita ao Casaquistão, Lula disse que Sarney “não pode ser tratado como uma pessoa comum” e classificou de “política do denuncismo” a revelação de sucessivos escândalos que sacodem o Senado, como os mais de 600 atos secretos para nomear parentes e aumentar salários, entre outras irregularidades. (...)

    O presidente da República, invariavelmente, sai em defesa daqueles que compõem o seu cinturão de proteção. Incomoda-o, e muito, o pipocar de denúncias envolvendo membros de sua equipe ou de sua base aliada. Não é de agora o comportamento leniente do presidente. Num primeiro momento, desqualifica a denúncia. Nada se apura. Posteriormente, os denunciados voltam ao abrigo do amplo guarda-chuva protetor do poder.

    Há, sem dúvida, uma simbiose impressionante entre a velha oligarquia e a nova elite ascendente. O que está acontecendo, talvez em proporções inimagináveis, é o resultado final de um silogismo com premissas ideológicas bem concretas. O PT, partido do presidente da República, que sempre agitou a bandeira da ética, na verdade cresceu sob a sombra da práxis de inspiração marxista, isto é, o que importa é o poder a qualquer preço. A ética foi uma bandeira de marketing, mas não é o fundamento da ação. Daí a convivência quase amorosa com os inimigos do passado. Daí o vale-tudo em nome de um projeto de permanência no poder. Por isso, hoje eles encarnam o que sempre criticaram. O pragmatismo algemou a consciência.

    O projeto de perpetuação no poder, com o terceiro mandato do presidente ou com um clone de Lula, reclama a aquiescência da base aliada. E o preço do apoio está aí escancarado, gritando nas manchetes dos jornais. Loteou-se o governo para obter um passaporte para o aparelhamento do Estado. Posso estar errado, mas vislumbro no horizonte pesadas sombras de autoritarismo populista.

    O presidente Lula, inteligente como é, soube manter a economia nos trilhos. Ele tem horror da inflação e para evitar o seu ressurgimento é capaz de todas as ortodoxias. (...)

    Homem de indiscutível talento para a comunicação popular e de patente gosto pelo exercício do poder, Lula soube montar uma rede de apoio ao seu projeto pessoal, que, na minha opinião, caminha em rota de colisão com a cultura democrática.

    A ameaça plebiscitária, marca registrada de Hugo Chávez e de Evo Morales, não está fora de cogitação.

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