sábado, 16 de março de 2013

“Onde houver erro, que eu leve a verdade...”

“Onde houver erro, que eu leve a verdade...” (*)


O orbe católico experimentou, uma vez mais, no último dia 13, o júbilo do “habemus Papam”.

A noite já descera sobre a Praça de São Pedro e uma multidão detinha sua atenção, com expectativa, na chaminé da Capela Sistina, de onde, pouco após as 19 h, surgiu a “fumata bianca”, a indicar que o Colégio Cardinalício indigitara um novo Sumo Pontífice.

A partir de então um clima de alegria e expectativa se espalhou, não só entre a multidão que enchia a Praça, mas entre milhões de católicos pelo mundo que aguardavam o momento de saber sobre quem recaíra a escolha.

A surpresa tomou conta de muitos, com o anúncio feito pelo Cardeal Touran, pois o escolhido – cujo nome fora antagonista do do Cardeal Ratzinger no anterior Conclave – não se encontrava na lista dos prováveis “papabili”. Jorge Mario Bergoglio, de 76 anos, Arcebispo de Buenos Aires se tornara o Papa Francisco I.

Ao comparecimento do novo Papa na “loggia” de São Pedro, sucedeu-se o clima de entusiasmo próprio a uma eleição papal.

Reflexão
Mas é compreensível que à alegria dos primeiros momentos se siga a reflexão e que os católicos tentem prescrutar os panoramas que o novo pontificado poderá abrir.

Não podemos esquecer que a presente eleição se insere na sequência necessária de um evento de grande repercussão, a renúncia do então Bento XVI: "Dei este passo com plena consciência de sua gravidade e também de sua novidade”.

Antes de concretizar sua renúncia, a 28 de fevereiro, o então Pontífice explanou os graves dramas de que padece hoje a Igreja, destacando que Jesus denunciou a “hipocrisia religiosa”: “O rosto da Igreja é por vezes desfigurado por pecados contra a unidade da Igreja e divisões do corpo eclesiástico”.

Não podemos, pois, permitir que o clima de euforia que cerca esta eleição nos faça olvidar a gravidade da situação que herda o presente Pontífice.

Crise de décadas
Convém ainda recordar que a presente situação é fruto de uma longa crise, a qual, de há muito, atinge a Santa Igreja Católica, a única verdadeira Igreja de Deus, como o apontaram, com palavras severas, os últimos Pontífices.

Paulo VI mencionou a “fumaça de Satanás” que por alguma fissura entrou no templo de Deus; apontou ainda uma “perturbação interior, aguda e complexa” pela qual “a Igreja é golpeada também pelos que dela fazem parte”, numa prática de “autodemolição”.

João Paulo II, por sua vez, referiu-se à confusão reinante entre os cristãos por terem sido difundidas verdadeiras heresias, no campo dogmático e moral, contrastantes com a Verdade revelada e desde sempre ensinada.

Clareza
Diante deste grave quadro, e no início deste pontificado, é natural que em seus corações os fiéis anseiem, de imediato e principalmente, saber o que vai ser feito a respeito da fumaça de Satanás e dos demolidores da barca de Pedro.

Por este motivo decidi compartilhar aqui trechos de um artigo de Plinio Corrêa de Oliveira, intitulado Clareza e publicado em 1978, na Folha de S. Paulo, quando o Conclave se preparava para escolher um novo Papa.

Os temas nele abordados são actualíssimos, apesar da distância dos anos, pois, se as circunstâncias concretas mudaram, os problemas de fundo continuam essencialmente os mesmos:

  • "Nesta época em que o público tem tanta influência até mesmo nos círculos mais reservados — nesta época em que tanta gente confunde público com publicidade, e imagina candidamente que a face da publicidade exprime sempre a do público — nesta época, enfim, em que tantas vezes um público átono, adormecido, deixa correr os acontecimentos sem entender o clamor publicitário, nem a conduta dos homens públicos, frequentemente hipersensíveis a tal clamor, pergunto: será real que as multidões veem e sentem as coisas como as apresentam tantos dos chamados meios de comunicação social?

    No tocante ao Brasil, como à Igreja, sou levado a responder pela negativa. Deixo aqui de lado o Brasil, pois assim o manda o amor à brevidade. E passo a falar da Igreja.

    Diante do caudal de nomes de candidatos ao Papado que lhe vão sendo apresentados, o povo não quer saber tanto qual o lugar de origem, a idade e a carreira eclesiástica, nem qual a fisionomia deles (fisionomia que cabe, o mais das vezes, em uma das variantes em curso: jovial-risonha, caridosa-tristonha, desgrenhada-frenética, esta última ainda não em voga para cardeais).

    O que o povo quer saber se reduz a esta pergunta principal: Paulo VI anunciou que a Igreja estava sendo vítima de um misterioso “processo de autodemolição” (Alocução de 7-12-68) e que nela penetrara a “fumaça de Satanás” (Alocução de 29-6-72). O falecido Pontífice partiu, pois, para a eternidade com a autodemolição em curso, e a fumaça de Satanás em expansão.

    O que pensará seu sucessor sobre a autodemolição e a fumaça? Como se conduzirá ante uma e outra? Mil outras questões poderiam ser formuladas acerca do novo Papa. Mas as que acabo de considerar primam sobre as demais. Pois quem navega numa barca em meio à pior fumaça, e em companhia de passageiros que vão desconjuntando o madeirame, se interessa de imediato e principalmente em saber o que vai ser feito a respeito da fumaça e dos demolidores da barca. Ora, a Santa Igreja de Deus é a admirável, a nobilíssima, eu quase diria, a adorável Barca de Pedro. É natural que tais perguntas, as formulem, nestes dias, também os passageiros desta Barca.

    São incontáveis os católicos segundo os quais a fumaça e a autodemolição se identificam, a justo título, com duas grandes tendências existentes na Igreja de nossos dias. Uma destas tendências se desenvolve no plano teológico, filosófico e moral. É o progressismo.

    A outra tendência se desenvolve no tríplice plano diplomático, social e econômico. Ela se chama, segundo o ângulo em que é considerada, aproximação com o socialismo e aproximação com o comunismo.

    Se considerarmos que o progressismo é, por sua vez, uma aproximação com os mil aspectos do que se convencionou chamar “mentalidade moderna” (a qual é, até certo ponto, uma ficção a que poucos homens aderem inteiramente, muitos só aderem com restrições e em proporções acentuadamente variáveis, e que não poucos rejeitam), chegamos à conclusão de que o futuro Papa terá seu pontificado essencialmente marcado pela atitude que tomar diante disto que podemos qualificar de dupla aproximação: a) a mundano-publicitária-progressista; b) a socialo-comunista.

    Desculpe-me o leitor os neologismos. Talvez conviesse compô-los de outra maneira. Apresentam-se-me ao correr da pena, e me servem para exprimir fácil e rapidamente o que quero dizer. Poupam, assim, o tempo do leitor, como o meu. Em nossa época, a pressa obtém indulgência para muitas deselegâncias...

    O que pensam dessas aproximações os múltiplos cardeais cujos nomes vão sendo lançados como “papabili”? Como vê cada um deles as correntes rumo às quais esses movimentos de aproximação os convidam? Como hidras que é preciso abater desde logo com o gládio de fogo do Espírito? Como adversárias inteligentes, dúcteis, e talvez um pouco bobas, com as quais é possível conduzir lentas, cômodas e quiçá até cordiais negociações? Como parceiras em uma coexistência, ou mesmo colaboração perfeitamente aceitável, e por alguns lados até simpática? Estas são, entre mil, as perguntas que a maioria dos passageiros da sacrossanta Barca de Pedro gostariam de fazer a cada “papabile”.

    E para estas perguntas, que pairam no ar, o mais das vezes não vejo em torno de mim senão fragmentos de respostas, opacos, viscosos, totalmente insatisfatórios.

    Ora, queiram ou não queiram, quando do alto da loggia de São Pedro for proclamado o nome do novo Papa, e o consueto clamor de alegria se levantar da imensa praça circundada pelas colunatas berninianas, ao mesmo tempo uma muda mas ansiosa interrogação se apresentará aos espíritos. Será o novo sucessor de São Pedro, ante os promotores das aproximações, um batalhador, um negociador, ou um ajeitador?

    E ele, em quem residirá o excelso poder das chaves, cujas decisões são soberanamente independentes dos juízos dos homens, mas cuja missão pastoral não o poderá deixar indiferente às aspirações e necessidades das ovelhas, se perguntará, na hora solene da sua aclamação: qual das três atitudes espera de mim este povo imenso?

    Enquanto aguardamos, na prece ininterrupta, submissa e confiante, esse momento ápice do primeiro encontro estuante de júbilo e carregado de preocupações, resta-nos perguntar: o que deseja a grei fiel?

    Vários, é bem claro, têm sua preferência definida por um papa que tome inteiramente esta ou aquela das atitudes, ante a dúplice aproximação. Classifico-me, todos o sabem, entre os que exultariam com a escolha de um papa combativo como São Gregório VII ou São Pio X. Outros preferem nitidamente um papa “aproximacionista”, como foi em seu tempo Pio VII. E assim por diante.

    Mas a imensa maioria dos fiéis, o que desejará ela?

    À primeira vista, parece apática. Tal apatia será desinteresse? Não o creio.

    O que será então? A meu ver, é a expressão do desconserto respeitoso, e por isso mesmo silencioso, de quem não entende, não concorda e nem ousa discordar.

    Essa imensa maioria, em cujo silêncio me parece discernir traços óbvios de fadiga, angústia e desânimo, deseja de imediato, e antes de tudo, clareza.

    Sim, ela deseja, num silêncio que se vai tornando enfaticamente perplexo, saber sobretudo o que é esta fumaça, quais são os rótulos ideológicos e os instrumentos humanos que servem a Satanás como sprays de tal fumaça, no que consiste a demolição, e como explicar que esta demolição seja, estranhamente, uma autodemolição?

    Não é o que o senhor gostaria de saber, leitor? A senhora, leitora? Pois eu também. E como nós, milhares, milhões, centenas de milhões de católicos.

    E o que há de mais justo, de mais lógico, de mais filial e de mais nobre do que pedirem os filhos da luz, àquele a quem foi dito: “Tu és pedra, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”, pedirem-lhe clareza?"
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(*) Oração de São Francisco