terça-feira, 15 de novembro de 2016

Dom Pedro II era a luz do baile

Dom Pedro II era a luz do baile


A experiência republicana, no Brasil, tem sido um fracasso evidente. Uma análise deste 127 anos de história republicana revelam uma instabilidade crônica das instituições, uma sucessão de sobressaltos político-sociais e o surgimento, de tempos em tempos, de "salvadores da pátria" que, em pouco tempo, se tornam decepções dolorosas.

Vivemos hoje momentos especialmente críticos dessa experiência. Próceres republicanos reconhecem que todo o sistema político está em xeque, enquanto uma operação sem precedentes - a Lava Jato - vai revelando ao País como, a partir da própria Presidência da República, se atuou para subverter a ordem legal do País, com um assalto generalizado ao Estado, ao seu (nosso) patrimônio e às instituições do Estado de Direito.

Mas, como traduzir, em poucas palavras, a diferença entre o ambiente social, político e institucional que imperava no regime monárquico e o que passou a vigorar na república? Monteiro Lobato o fez de modo didático, num texto que passo a transcrever:

  • D. Pedro II agia pela presença.

    O fato de existir no ápice da sociedade um símbolo vivo e ativo da honestidade, do equilíbrio, da moderação, da honra e do dever, bastava para inocular no País em formação o vírus das melhores virtudes cívicas.

    O juiz era honesto, se não por injunções da própria consciência, pela presença da honestidade no trono. O político visava o bem comum, se não pelo determinismo de virtudes pessoais, pela influência catalítica da virtude imperial. As minorias respiravam, a oposição possibilitava-se: o chefe permanente das oposições estava no trono. A justiça era um fato: havia no trono um juiz supremo e incorruptível. O peculatário, o defraudador, o político negocista, o juiz venal, o soldado covarde, o funcionário relapso – o mau cidadão, enfim – muitas vezes passava a vida inteira sem incidir num só deslize. A natureza o propelia ao crime, ao abuso, à extorsão, à violência, à iniquidade, mas sofreava as rédeas aos maus instintos a simples presença da eqüidade e da justiça no trono.

    Foi preciso que viesse a República, e que se alijasse do trono a força catalítica, para patentear-se bem claro o curioso fenômeno. O mesmo juiz, o mesmo político, o mesmo soldado, o mesmo funcionário, até 15 de novembro honesto, bem intencionado e bravo e cumpridor dos deveres, percebendo ordem de soltura na ausência do imperial freio, desenfrearam a alcatéia dos maus instintos mantidos de quarentena.
    Daí o contraste, dia a dia mais frisante, entre a vida nacional sob Pedro II e a vida nacional sob quaisquer das boas intenções quadrienais que se revezam na curul republicana.

    Pedro II era a luz do baile: muita harmonia, respeito às damas, polidez de maneiras, jóias de arte sobre os consolos, dando o conjunto uma impressão genérica de apuradíssima cultura social.

    Extinguiu-se a luz: as senhoras sentem-se logo apalpadas, trocam-se tabefes, ouvem-se palavreados de botequim, desaparecem as jóias.
    (Monteiro Lobato, D. Pedro II, Revista Brasil, RJ, nº 36, dezembro de 1918)

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